É muito comum que as pessoas queiram negociar com conhecidos, aqueles em quem confiam. Dentro dessa prática, há o negócio entre pai e filho. Pode parecer algo comum, mas existem especificidades nesse tipo de negociação.
Antes de iniciar a discussão sobre a possibilidade do negócio realizado entre pai e filho, é necessário entender o que é um negócio jurídico. Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “negócio jurídico é a declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente”.
Portanto, o negócio é a manifestação de vontade que produz efeitos jurídicos queridos pelo agente. Agora, vejamos sobre a possibilidade de realizar negócio jurídico entre ascendente e seu descendente.
O que diz o art. 496?
Dentre todos os negócios jurídico, o Código Civil Brasileiro tratou, em seu art. 496, especificamente sobre a venda de pais para filhos:
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Pais podem realizar negócio com seus filhos?
Pelo transcrito artigo, vemos que é sim possível a venda feita de ascendente para descendente, desde que observados os requisitos legais. Ou seja, desde que haja consentimento expresso dos outros descendentes e do cônjuge de quem está vendendo. Desde que o regime do casamento não seja o da separação obrigatória de bens.
Pela redação do artigo, depreende-se que a falta de consentimento dos demais descendentes e do cônjuge gera anulabilidade e não nulidade do negócio. Isso significa que a não observância do requisito legal não torna o ato nulo e, portanto, inválido desde sua realização, mas somente após a iniciativa da parte interessada (cônjuge e descendentes do alienante). Essa que deve manifestar-se contrária ao negócio, dentro do prazo decadencial de 2 anos, previsto pelo art. 179 do Código Civil:
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
Dessa forma, não é como se o ato nunca tivesse existido – ato nulo – . Mas sim que o negócio somente poderá ser invalidado após a manifestação do cônjuge ou dos descendentes, sendo que essa manifestação deve ser feita em até 2 anos após a conclusão do ato.
Logo, se nenhum dos interessados se manifestar dentro do prazo, o ato terá validade plena. Sendo assim, ainda que os requisitos legais não sejam observados, é possível que, na inércia dos prejudicados, ocorra venda entre ascendente e descendente. Mas, para evitar descontentamentos, o ideal é que, aquele que deseja realizar contrato de compra e venda com um descendente, obtenha anteriormente, o consentimento daqueles que têm legitimidade para requerer a anulação desse negócio na justiça.
Objetivo do art. 496
O art. 496 foi redigido com o objetivo de resguardar o patrimônio que os herdeiros necessários têm de receber. Com a necessidade de consentimento deles, evita-se futuras demandas na justiça, que podem acontecer após a morte do alienante.
Além disso, o artigo evita o chamado negócio jurídico simulado, pois pode ser que ascendente e descendente simulem uma compra e venda, para mascarar o que seria, na verdade, uma doação, prejudicando os demais herdeiros. Isto porque se efetivamente fosse uma doação, esta seria considerada adiantamento de legítima herança. Assim, o herdeiro contemplado seria obrigado a devolver o que recebeu, durante a vida de seu ascendente, para igualar a sua herança com as heranças dos demais herdeiros.
Venda de bem entre ascendente e descendente por meio de pessoa interposta
Segundo a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a venda de patrimônio para um dos filhos, por meio de pessoa interposta, é ato jurídico anulável, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido com o negócio. Ou seja, mesmo havendo um terceiro que realize a venda no lugar do ascendente, aplica-se, assim mesmo, o que preceitua o art. 496 do Código Civil, como se não houvesse uma pessoa interposta. Portanto, assim como já dito anteriormente, a anulação depende de manifestação dos interessados, no prazo decadencial de dois anos.
Para o STJ, a presença de pessoa interposta nada mais é que uma tentativa de burlar o art. 496. A ministra Nancy Andrighi destacou que “considerando que a venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais descendentes e também do cônjuge, para que seja bem sucedida, a venda de ascendente a descendente, deverá ela receber o mesmo tratamento conferido à venda direta que se faça sem essa aquiescência”.
Conclusão
Conclui-se, portanto, que é sim possível que haja um negócio entre pai e filho . No entanto, para que isso ocorra, o Código Civil exige consentimento expresso dos demais filhos e do cônjuge, com o fim de proteger a herança desses. Além disso, é possível também que não haja esse consentimento, mas que os interessados não se manifestem quanto à anulação do negócio jurídico dentro do prazo decadencial de 2 anos, ocorrendo convalidação do ato pelo silêncio.
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